Resumo: Os estudos acadêmicos sobre a Primeira República no Brasil tendem a considerá-la como palco de uma vida política baseada apenas na fraude eleitoral, na defesa de interesses privados e no simples revezamento de poder, entre as oligarquias estaduais. Deste modo, o período entre 1889 e 1930 teria deixado muito pouco, ou mesmo nenhum legado às instituições representativas e democráticas que se desenvolveram após a Revolução de 1930. Este trabalho defende que há um papel fundamental das elites político-partidárias, na condução do regime republicano inaugurado em 1889, sendo suas ações responsáveis por estabelecer os parâmetros iniciais da representação democrática no Brasil contemporâneo, ainda que sem intencionalidade. Para se compreender este papel contraditório, faz-se importante uma reinterpretação sobre os significados da competição (e legislação) eleitoral, dos partidos políticos e dos canais de representação institucional que existiam à época, nos três Poderes constituídos. Através da análise bibliográfica de teses clássicas que atribuem um legado pessimista da Primeira República às instituições representativas, realiza-se uma releitura crítica, a partir de trabalhos que trouxeram a possibilidade de enxergar as contribuições do período para a trajetória democrática brasileira. Ademais, por meio do mapeamento de processos históricos (process tracing), identificaram-se conjunturas críticas que também favoreceram a tímida, porém existente, pavimentação da democracia representativa no país, nas primeiras décadas do século XX. São elas: as reformas eleitorais de 1904 (Lei nº 1.269) e 1916 (Lei nº 3.208), a reforma constitucional de 1926 (Emenda Constitucional de 3 de setembro de 1926), as eleições presidenciais de 1910 e 1930 e a criação da Justiça Eleitoral (Decreto nº 21.076/1932). Esta última, estabelecida posteriormente ao fim da Primeira República, foi fruto de discussões e debates, no interior da política institucional, que ganharam destaque durante o desenrolar das conjunturas apontadas anteriormente. A busca pela "verdade eleitoral", ao longo da Primeira República, é coroada com a chegada da Justiça Eleitoral. Conclui-se que, para além do voto de cabresto, da sobreposição dos interesses privados sobre os públicos e das diversas limitações impostas à participação popular nas instituições representativas, os partidos políticos e a representação política, por via eleitoral, foram importantes para a estruturação das instituições representativas no país. O aprendizado sobre a política institucional vai se estabelecendo ao longo do Brasil republicano, em meio as suas diversas conjunturas críticas, contribuindo para a construção da legitimidade da representação política Ver menos

Abstract: Academic studies on the First Brazilian Republic tend to regard it as a period characterized solely by electoral fraud, the defense of private interests, and the mere rotation of power between state oligarchies. In this view, the period between 1889 and 1930 would have left little, or even no legacy to the representative and democratic institutions that developed after the 1930 Revolution. This work argues that the political-party elites played a crucial role in the conduct of the republican regime inaugurated in 1889, with their actions being responsible for establishing the initial parameters of democratic representation in contemporary Brazil, albeit without intentionality. To understand this contradictory role, it is essential to reinterpret the meanings of electoral competition (and legislation), political parties, and institutional channels of representation that existed at the time, across the three branches of government. Through a bibliographic analysis of classic theses that assign a pessimistic legacy of the First Republic to representative institutions, this study offers a critical reinterpretation based on works that highlight the contributions of the period to Brazil's democratic trajectory. Furthermore, through historical process mapping (process tracing), critical junctures have been identified that also facilitated the modest, yet existent, paving of representative democracy in the country during the early decades of the 20th century. These include: the electoral reforms of 1904 (Law No. 1.269) and 1916 (Law No. 3.208), the constitutional reform of 1926 (Constitutional Amendment of September 3rd, 1926), the presidential elections of 1910 and 1930, and the creation of the Electoral Justice (Decree No. 21.076 of 1932). The latter, established after the end of the First Republic, was the result of discussions and debates within institutional politics that gained prominence during the development of the previously mentioned junctures. The pursuit of "electoral truth" throughout the First Republic culminates in the establishment of Electoral Justice. In conclusion, beyond the practices of voter manipulation, the prioritization of private interests over public ones, and the various limitations imposed on popular participation in representative institutions, political parties and electoral political representation were key to the structuring of representative institutions in the country. The learning process regarding institutional politics developed throughout the republican period of Brazil, amidst its various critical junctures, contributing to the construction of the legitimacy of political representation Ver menos