Resumo: O panorama do teatro francês entre os séculos XVII e XVIII é repleto de turbulências dadas as complexidades históricas próprias ao universo efervescente da Revolução francesa. Nesse sentido, propõe-se lançar um primeiro olhar sobre esse universo a partir da investigação do percurso teatral e biográfico de Olympe de Gouges (1748-1793), que viveu intensamente esse contexto e cuja produção refrata seu percurso. Marie Gouze foi irreverente, mostrou-se ao mundo como alguém abnegado das obrigações impostas ao seu sexo e se fez ouvir publicamente enquanto moderada em um tempo de profunda radicalização. A partir desse pano de fundo biográfico e político, em que parte de sua obra é explorada, Olympe põe em jogo seu pensamento filosófico e político, dialogando e contrapondo grandes nomes do iluminismo tais como Jean-Jacques Rousseau (1712-1778). Por meio do teatro, a escritora reproduz uma ficção para embasar sua tese sobre as origens da sociedade e a relação entre homens e mulheres, ideias bem desenvolvidas em seu ensaio filosófico Le bonheur primitif de l’homme, ou les rêveries patriotiques (1789). Um ponto ao qual se dá relevância nesse estudo é o aspecto mítico de Olympe de Gouges, que ronda tanto seu imaginário criativo como também se infiltra em sua vida de fato. Os aparentes fatos mitológicos são analisados principalmente à luz dos pensamentos de René Girard, Mircea Eliade e Paul Ricœur, cujos títulos embasam interpretações ao longo do capítulo e, no caso do último filósofo, dessa tese. Feita uma análise da cena cultural francesa por intermédio da vida e da obra de Gouges, a questão teórica toma protagonismo. Recorre-se tanto ao repertório crítico-literário que é síncrono à época, colocando em debate obras de referência do século XVII e XVIII, como A arte poética (1674) de Boileau (1636-1711) e os anexos teóricos das peças de Diderot (1713-1784), como também estudos contemporâneos sobre o tema, tais como as produções de Peter Szondi e Alain Viala. Se, de um lado da sociedade francesa, produziu-se uma personalidade como Olympe de Gouges, engajada politicamente e audaz, de outro, viu-se surgir na intelectualidade Denis Diderot, cuja imortalidade se deu por caminhos assaz distintos daqueles da dramaturga. Não obstante, polígrafo, Diderot oferece uma obra ampla e muito fértil para se investigar os debates e o pensamento em seu século. Assim, pela via de suas ideias e considerando suas peças e sua obra, mira-se um tensionamento das diferenças e aproximações teóricas e direciona-se um olhar questionador aos princípios teatrais predominantes entre o seiscentos e o setecentos. Toma-se, como ponto de contraste, os padrões aristotélicos, que ressurgem e se fazem presentes naquele horizonte intelectual, mesmo que, muitas vezes, reinterpretados pelos latinos. Por fim, tendo sempre à vista a subsequente integração entre arte, moralização e política que marca o século em questão, analisa-se duas peças teatrais emblemáticas de seus autores e que refletem usos distintos da moralização: Zamor e Mirza, de Olympe de Gouges, mais política, e Le fils naturel, de Diderot, mais puramente voltada para a virtude. Em última análise, esta tese argumenta que as poéticas dos séculos XVII e XVIII, principalmente a última, tiveram que se afastar das normas estéticas para fins pedagógicos, morais e políticos. Assim, a análise revela, finalmente, a transformação da poética, que anteriormente se voltava à ação trágica, doravante passa a estar centrada no indivíduo e situada fora da própria esfera artística Ver menos

Abstract: The panorama of French theater between the 17th and 18th centuries is filled with turbulence, given the historical complexities inherent to the effervescent universe of the French Revolution. In this regard, it is proposed to cast a first glance at this universe through the investigation of the theatrical and biographical journey of Olympe de Gouges (1748-1793), who lived intensely within this context, and whose production reflects her path. Marie Gouze was irreverent, presenting herself to the world as someone unburdened by the obligations imposed on her gender and making herself heard publicly as a moderate voice in a time of profound Jacobin radicalization. Against this biographical and political backdrop, in which a portion of her work is explored, one of her plays, Zamor et Mirza (1788), is subjected to analysis. On this occasion, Olympe engages her philosophical and political thinking, dialoguing with and counterposing great Enlightenment figures such as Jean-Jacques Rousseau (1712-1778). Through theater, the writer reproduces a fiction she created to underpin her thesis on the origins of society and the relationship between men and women, ideas well developed in her philosophical essay Le bonheur primitif de l’homme, ou les rêveries patriotiques (1789). A point of significance in this study is the mythical aspect of Olympe de Gouges, which permeates both her creative imagination and her real life. Apparent mythological facts are primarily analyzed in the light of the thoughts of René Girard, Mircea Eliade, and Paul Ricœur, whose works support interpretations throughout the chapter, and in the case of the latter philosopher, this thesis. After conducting an analysis of the French cultural scene through the life and work of Gouges, the theoretical question takes center stage. Reference is made to contemporary critical and literary repertoire synchronous with the era, involving reference works from the 17th and 18th centuries, such as Boileau's (1636-1711) Art Poétique (1674) and the theoretical annexes of Diderot's (1713-1784) plays. Additionally, contemporary studies on the subject are considered, such as the productions of Peter Szondi and Alain Viala. While one side of French society produced a politically engaged and audacious personality like Olympe de Gouges, the intellectual world saw the emergence of Denis Diderot, whose immortality followed paths considerably different from those of the dramatist. Nevertheless, as a polygraph, Diderot offers a wide and fertile body of work for investigating the debates and thought of his century. Thus, through his thoughts and considering his plays and writings, a tensioning of theoretical differences and affinities is aimed for, and a questioning gaze is directed towards the prevailing theatrical principles of the 17th and 18th centuries. Aristotelian standards, which remain present in the intellectual horizon, are taken as a point of contrast. Finally, always keeping in sight the subsequent integration of art, moralization, and politics that marks the century in question, an attempt is made to understand if there is, as the term is understood today, an aesthetic value intended and applied in 18th-century theater. At last, this study argues that the poetics of the 17th and 18th centuries, especially the latter, had to depart from aesthetic for pedagogical, moral, and political purposes. Thus, the analysis ultimately reveals the transformation of poetics, which previously centered on tragic action, and then revolves around the individual and extends beyond the artistic sphere Ver menos