Orientador: Susana Oliveira Dias

Dissertação (mestrado) - Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Estudos da Linguagem

Resumo: As colonizações operam via centralização no homem e estabelecem dicotomias. São algumas delas: natureza-cultura, masculino-feminino, espiritualidade-ciência, feminino-sagrado, sexualidade-sagrado. Capitalismo, patriarcado e opressão religiosa se retroalimentam num sistema de governo...

Resumo: As colonizações operam via centralização no homem e estabelecem dicotomias. São algumas delas: natureza-cultura, masculino-feminino, espiritualidade-ciência, feminino-sagrado, sexualidade-sagrado. Capitalismo, patriarcado e opressão religiosa se retroalimentam num sistema de governo totalitário e, juntos, tomam a linguagem para produzir consecutivas barbáries contra uma miríade de seres do cosmos, bem como fundar as separações dicotômicas como partes constituintes de suas estruturas. Essa política desencadeou colonizações sobre terras e corpos. Na América Latina, como Ailton Krenak (2020) explica, havia (e, de algum modo, ainda há) um maniqueísmo entre humanidade esclarecida e humanidade obscurecida que fomentava a colonização de uma pela outra. Acreditava-se que existia um jeito certo e verdadeiro de estar na Terra, em detrimento de outro que era, por consequência, seu oposto. A concepção da existência de uma verdade europeia surge, sobretudo, por meio de uma hermenêutica masculina e humana da Bíblia que reproduz a lógica das monoculturas. Ou seja, o plantio forçado de um padrão que se estabelece como um ataque cósmico às florestas. Chimamanda Adichie (2019) se atenta a esse funcionamento e alerta para o perigo das histórias únicas, enquanto D. H. Lawrence (1990) observa essa prática no meio religioso e a chama de fixidez. As monoculturas hermenêuticas se encarregam, entre tantas coisas, de afastar o feminino do sagrado e dos ninhos espirituais. Forja-se uma história única sobre o relato edênico, narrado em Gênesis, e força-se a demonização de Eva, aquela que atravessou a história sendo contada como primeira mulher da humanidade. A fixidez sobre esse relato bíblico desencadeou repetidas barbáries e fins de mundo contra o feminino, bem como engaiolou experiências espirituais das mulheres que dela descenderam. Ao tentar aproximações entre o sagrado e o que foi dicotomicamente dado como profano, compreende-se que uma espiritualidade engaiolada decorre inevitavelmente em sexualidades represadas cujas torrentes deixam de jorrar vida. No entanto, os funcionamentos de gaiolas, represas e monoculturas são ameaças cósmicas que não se limitam a atacar apenas o feminino. Mulheres, bichos, terras e rios passam por processos de instrumentalização e perversão das suas forças. Por compreender a coletividade das colonizações, esta escrita busca se unir aos pássaros com a intenção de criar, na companhia deles, possibilidades de vida para além das gaiolas-represas-monoculturas. Seguindo uma ontoepistemologia ecofeminista, que percebe um sistema dominador comum em distintas opressões e mobiliza conexões potentes entre os seres atingidos, esta escrita tem Donna Haraway (2000, 2019, 2021) como inspiração e referência das seguintes metodologias: companhia entre espécies e fabulação especulativa. Na companhia dos pássaros e de forma amorosa, esta escrita busca juntar os diferentes para compor forças a fim de retomar a palavra corrompida pelas colonizações e fabular o feminino no livro de Cântico dos Cânticos, uma poesia que sucede Gênesis e escorre entre dois interlocutores amantes. Esta escrita deseja experimentar possibilidades de vida e ensaiar movimentos que desviem das opressões, refugiem espiritualidades desamparadas pelas instituições e arrebentem grades-barragens. Esta escrita aposta no amor como redenção da queda; faz coro e canto com bell hooks para defendê-lo como método político e afetivo, como cura e caminho; não se compromete com um salvacionismo ingênuo e até mesmo egocêntrico, mas se esforça para contemplar a fluidez em suas águas; busca abrir um caminho de rio para que as sexualidades represadas desaguem, fertilizem a terra de nossas mentes e deem frutos artísticos para muito além de nossos ventres

Abstract: Colonizations operate via man-centeredness and establish dichotomies. Some of them are: nature-culture, masculine-feminine, spirituality-science, feminine-sacred, sexuality-sacred. Capitalism, patriarchy and religious oppression feed back into a system of totalitarian government and,...

Abstract: Colonizations operate via man-centeredness and establish dichotomies. Some of them are: nature-culture, masculine-feminine, spirituality-science, feminine-sacred, sexuality-sacred. Capitalism, patriarchy and religious oppression feed back into a system of totalitarian government and, together, take language to produce consecutive barbarities against a myriad of beings in the cosmos, as well as found dichotomous separations as constituent parts of their structures. This policy triggered colonizations over lands and bodies. In Latin America, as Ailton Krenak (2020) explains, there was (and still is) a Manichaeism between enlightened humanity and obscured humanity that fostered the colonization of one by the other. It was believed that there was a right and true way to be on Earth, to the detriment of another that was, consequently, its opposite. The conception of the existence of a European truth arises, above all, through a masculine and human hermeneutic of the Bible that reproduces the logic of monocultures. That is, the forced planting of a pattern that establishes itself as a cosmic attack on forests. Chimamanda Adichie (2019) pays attention to this functioning and warns of the danger of single stories, while D. H. Lawrence (1990) observes this practice in the religious environment and calls it fixity. The hermeneutic monocultures are responsible, among many things, for distancing the feminine from the sacred and from spiritual nests. A single story is forged on the edenic account, narrated in Genesis, and the demonization of Eve is forced, the one who crossed history being told as the first woman of humanity. The fixation on this biblical account triggered repeated barbarism and the end of the world against the feminine, as well as caged the spiritual experiences of the women who descended from her. When trying to approach the sacred and what was dichotomously considered profane, it is understood that a caged spirituality inevitably results in repressed sexualities whose torrents stop gushing life. However, the workings of cages, dams and monocultures are cosmic threats that are not limited to attacking just the female. Women, animals, lands and rivers go through processes of instrumentalization and perversion of their forces. By understanding the collectivity of colonizations, this writing seeks to unite with the birds with the intention of creating, in their company, possibilities of life beyond cages-dams-monocultures. Following an ecofeminist onto-epistemology, which perceives a common dominator system in different oppressions and mobilizes powerful connections between the affected beings, this writing has Donna Haraway (2000, 2019, 2021) as inspiration and reference for the following methodologies: companionship between species and speculative fabulation. In the company of birds and in a loving way, this writing seeks to unite the different to compose forces in order to resume the word corrupted by colonization and to fable the feminine in the book of Song of Songs, a poetry that succeeds Genesis and flows between two loving interlocutors. This writing wants to experience possibilities of life and rehearse movements that deviate from oppression, take refuge from spiritualities helpless by institutions and burst grids-dams. This writing bets on love as redemption from the fall; sings and sings with bell hooks to defend it as a political and affective method, as a cure and path; it does not compromise with a naive and even self-centered salvationism, but strives to contemplate the fluidity in its waters; seeks to open a river path for dammed sexualities to flow, fertilize the land of our minds and bear artistic fruits far beyond our wombs

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